Governo Federal apresenta Projeto de Lei Complementar regulamentando a reforma tributária, propondo alterações ao ITCMD e ao ITBI, com significativo impacto sobre o planejamento patrimonial e sucessório
Em coletiva de imprensa do Ministério da Fazenda realizada no dia 4 de junho de 2024, o governo federal apresentou ao Congresso Nacional o Projeto de Lei Complementar n. 108/2024 (“PLP 108/2024”) regulamentando a Emenda Constitucional n. 132/2023 (“EC 132”).
Conforme divulgado em nosso informativo anterior, a EC 132 tratou principalmente da reforma tributária sobre o consumo, promovendo a unificação de cinco tributos (IPI, PIS, COFINS, ICMS e ISS). Além disso, a EC 132 promoveu importantes alterações a tributos sobre a propriedade (IPTU e IPVA) e sobre a transmissão de bens e direitos (ITCMD e ITBI).
A EC 132 concedeu o prazo de 180 dias para que o Poder Executivo editasse e encaminhasse ao Poder Legislativo os projetos de lei complementar regulamentando as questões exigidas no contexto da EC.
Em abril deste ano, foi apresentado o primeiro projeto regulamentando a EC 132/2023 (“PLP n. 68/2024”), o qual tratou exclusivamente da instituição do Imposto sobre Bens e Serviços (“IBS”) e da Contribuição Social sobre Bens e Serviços (“CBS”). O PLP 108/2024 complementa a regulamentação do IBS e da CBS, e trata da regulamentação do ITCMD e do ITBI.
Destacamos abaixo as principais propostas de regulamentação trazidas pelo PLP 108/2024 no que diz respeito à regulamentação do ITCMD e do ITBI, a qual pode impactar significativamente o planejamento patrimonial e sucessório das pessoas físicas.
Propostas de regulamentação relativas ao ITCMD
Detalhamento das hipóteses de incidência
O art. 160, § 1º, do PLP 108/2024 detalhou o fato gerador do ITCMD, estabelecendo que o imposto incide sobre a transmissão de quaisquer bens e direitos para os quais se possa atribuir valor econômico, o que poderá ampliar o entendimento das autoridades fazendárias estaduais sobre transmissões tributáveis.
Já os parágrafos 2º a 6º definem “doação” incluindo expressamente como tal (i) a divisão de patrimônio comum, na partilha ou na adjudicação, em que for atribuído a um dos cônjuges, companheiros, ou a qualquer herdeiro, patrimônio superior à fração ideal a qual fazem jus; e (ii) a transferência a título gratuito, pelo usufrutuário, para o nu-proprietário, de frutos não usufruídos. Também são previstas regras antiabuso reputando doações (i) os atos societários que resultem em benefícios desproporcionais a pessoas vinculadas sem justificativa negocial; e (ii) o perdão de dívida, por liberalidade e sem justificativa negocial comprovável.
Não incidência na extinção do usufruto
O art. 163 deixa claro que o ITCMD não incide na extinção de usufruto ou de qualquer outro direito real que resulte na consolidação da propriedade plena sob titularidade do instituidor do direito, regra que já estava prevista na legislação de alguns Estados.
Não incidência no recebimento de seguro de vida
Ainda, o art. 164 prevê que não se considera oriundo de transmissão causa mortis e, portanto, não estará sujeito ao imposto, o recebimento de benefício devido em razão de contrato de risco (tal como o seguro de vida e os planos de previdência privada que tenham a característica de seguro).
Momento de exigência do imposto
O art. 166 do PLP 108/2024 especifica o momento da ocorrência do fato gerador, indicando, de forma geral ainda, que será devido o ITCMD na data (i) do registro; (ii) do ato ou negócio jurídico que tenha a natureza de doação, nos termos da lei, sejam eles formalizados ou não.
Trust
O art. 168 do PLP 108/2024 regulamenta a incidência do ITCMD nas transmissões realizadas por meio de trusts, alinhando-se às disposições da Lei n. 14.754/2024. De acordo com o PLP, para fins de ITCMD, os trusts também serão considerados transparentes, e a transmissão ao beneficiário será considerada sucessão, se decorrente do falecimento do instituidor, ou doação, se em vida.
Arbitramento da base de cálculo e ITCMD sobre doação de participações societárias
Os arts. 169 a 173 estabelecem que o ITCMD será calculado sobre o valor de mercado do bem ou do direito transmitido, cuja determinação fica sujeita à legislação estadual, prevendo expressamente regras já praticadas por certas Fazendas estaduais, mas, não raras vezes, afastadas pela jurisprudência.
Uma novidade relevante trazida pelo art. 171 é a que prevê que o valor de mercado da participação societária não negociada em bolsa “deve ser calculado com metodologia tecnicamente idônea”, e determinado, no mínimo, a partir do patrimônio líquido, ajustado pela avaliação de ativos e passivos a valor de mercado, e acrescido do valor de mercado do fundo de comércio.
Dedução de dívidas
Ainda, o art. 173 do projeto autoriza a dedução das dívidas do falecido, algo que era vedado por algumas legislações estaduais, mas aceito pela jurisprudência.
Responsabilidade solidária e retenção por instituições financeiras, administradores e custodiantes
Os arts. 176 e 177 preveem a responsabilidade solidária quanto ao pagamento do ITCMD, incluindo, expressamente, instituições financeiras e administradores e custodiantes como tais. O PLP 108/2024 vai além, prevendo, no caso, a obrigação de retenção e recolhimento do ITCMD na hipótese de transmissão causa mortis ou de doação de bem ou direito sob administração e custódia de tais instituições, que deverão informar à administração tributária os bens e direitos transmitidos.
Competência para cobrança do imposto
Os arts. 178 e 179 definem a competência para cobrança do imposto nas transmissões abaixo relacionadas.
Situação |
Competência |
Bem imóvel no Brasil |
Localização do bem imóvel |
Bem imóvel no exterior – Falecido ou doador no Brasil |
Domicílio do falecido ou doador |
Bem imóvel no exterior – Falecido ou doador no exterior |
Domicílio do sucessor ou donatário |
Bem móvel – Transmissão causa mortis – Falecido no Brasil |
Domicílio do falecido |
Bem móvel – Transmissão causa mortis – Falecido no exterior |
Domicílio do sucessor |
Bem móvel – Doação – Doador no Brasil |
Domicílio do doador |
Bem móvel – Doação – Doador no exterior |
Domicílio do donatário |
Bem móvel no Brasil – Falecido/doador e sucessor/donatário no exterior |
Localização do bem móvel |
No que se refere à transmissão causa mortis e por doação de imóveis situados no exterior, o PLP 108/2024 diverge do disposto no art. 16, I, da EC 132, que previa apenas a competência da situação do imóvel.
Além disso, em se tratando de bens móveis, em que transmitente e recebedor tenham domicílio no exterior, poderá haver pulverização quanto à competência para exigir o imposto, pois a competência caberá ao Estado em que localizados os bens.
Tratando-se de excesso de meação ou de quinhão, não somente haverá pulverização quanto à competência estadual para exigência do ITCMD, como também se considerará cada bem ou direito individualmente para fins de definição do excesso.
Fiscalização e padronização
As regras de fiscalização previstas no PLP 108/2024 criam obrigações de reporte para entidades tais como Tribunais de Justiça Estaduais, inclusive em caso de segredo de justiça, Juntas Comerciais, órgãos de trânsito, CVM, ANAC e INCRA.
No art. 187 está prevista a possibilidade de celebração de convênios para promover a padronização de obrigações acessórias e metodologias para apuração de valor de mercado dos bens transmitidos.
Propostas de regulamentação relativas ao ITBI
O art. 190 do PLP 108/2024 propõe alterações ao Código Tributário Nacional relativas ao ITBI.
Momento de exigência do imposto
O art. 35-A propõe considerar o fato gerador do ITBI como ocorrido na data da celebração da cessão onerosa de direitos relativos à aquisição de bem imóvel, independentemente do registro imobiliário.
Determinação do valor do imóvel
O art. 38-A considera como base de cálculo do imposto o valor de referência ou o valor da transmissão do bem imóvel ou dos direitos reais sobre bem imóvel, o que for maior, reputando valor de referência aquele “estabelecido por meio de metodologia específica para estimar o valor de mercado dos bens imóveis”, levando em consideração (i) preços praticados no mercado imobiliário; (ii) informações prestadas por registradores ou notários; e (iii) características particulares do bem imóvel transmitido e, ainda, “requisitos técnicos previstos na legislação municipal ou distrital”.
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Destacamos que as propostas apresentadas pelo PLP 108/2024 ainda serão objeto de discussão nas duas casas do Congresso Nacional e poderão sofrer alterações. Nosso escritório seguirá monitorando a evolução do projeto e comentaremos pontualmente algumas das alterações propostas que poderão gerar maior controvérsia.
*Este conteúdo foi produzido em 07 de junho de 2024.
Humberto Sanches ([email protected]), Adriane Pacheco, ([email protected]), Juliana Midori ([email protected]) e Ana Beatriz Cammarota ([email protected]) estão à disposição para esclarecer quaisquer questões adicionais relacionadas ao tema. As informações presentes neste conteúdo não devem ser utilizadas para fins de consultoria. Cada caso deve ser analisado de forma individual.