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É necessário prazo de separação de fato para reconhecimento de direitos sucessórios de conviventes e cônjuges?

Veja o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) no REsp nº 1.990.792/RS

De acordo com o art. 1.829 do Código Civil, o cônjuge figura no rol de herdeiros legítimos, concorrendo, inclusive, com descendentes do falecido (a depender do regime de bens); com seus ascendentes; e ocupando o terceiro lugar na ordem de vocação hereditária, por direito próprio, na ausência de membros das duas classes anteriormente mencionadas. Os mesmos direitos sucessórios foram assegurados aos conviventes, conforme RE 878.694/MG e RE 646.721/MG (Temas 809 e 498), tendo sido fixada a tese de Repercussão Geral segundo a qual “É inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros prevista no art. 1.790 do CC/2002, devendo ser aplicado, tanto nas hipóteses de casamento quanto nas de união estável, o regime do art. 1.829 do CC/2002”.

Do que dependem os direitos sucessórios do cônjuge e do convivente?

Entretanto, os direitos sucessórios do cônjuge e do convivente dependem da manutenção do casamento ou da união estável até o momento em que ocorre o falecimento, conforme o art. 1.830 do Código Civil, que dispõe: “Art. 1.830. Somente é reconhecido direito sucessório ao cônjuge sobrevivente se, ao tempo da morte do outro, não estavam separados judicialmente, nem separados de fato há mais de dois anos, salvo prova, neste caso, de que essa convivência se tornara impossível sem culpa do sobrevivente”.      

Em recente julgado, o Superior Tribunal de Justiça teve a oportunidade de se manifestar sobre a interpretação do art. 1.830 do Código Civil em se tratando de união estável (REsp nº 1.990.792/RS, julgado em 21.08.2024).

O caso concreto envolvia conviventes que se separaram de fato em 16.11.2010, tendo sido ajuizada ação de dissolução de união estável no dia seguinte, i.e. 17.11.2010. Nove dias após a separação de fato do casal, i.e. em 24.11.2010, ocorreu o falecimento de um dos companheiros. Por sua vez, a sentença que reconheceu e dissolveu a dita união estável foi proferida apenas anos depois. 

Neste contexto, diante dos termos do art. 1.830 do Código Civil e da equiparação de direitos sucessórios de cônjuges e conviventes, houve pedido de habilitação da ex convivente como herdeira nos autos do inventário – já que, ao tempo do falecimento, inexistia sentença reconhecendo a dissolução da união estável do casal e, tampouco, havia transcorrido prazo superior a 2 anos, contado da data da separação de fato.

É necessário prazo de separação de fato para reconhecimento de direitos sucessórios de conviventes? Posicionamento do Superior Tribunal de Justiça no REsp nº 1.990.792/RS

Diante da situação acima descrita, o Superior Tribunal de Justiça ponderou ser a união estável um fato jurídico, caracterizado pela convivência pública, contínua, duradoura e com objetivo de constituir família, na forma do art. 1.723 do Código Civil, não se exigindo a observância de formalidades, seja para a sua configuração, seja para a sua dissolução.

Precisamente à luz de sua natureza eminentemente informal, é que sua dissolução se efetiva também de fato, por mero consenso entre os conviventes ou, ainda, pela simples manifestação de vontade externalizada por um dos dois – e, no caso em questão, indubitavelmente, pelo ajuizamento de ação de reconhecimento e dissolução de união estável.

Diante disso, no REsp nº 1.990.792/RS, o Superior Tribunal de Justiça, com amparo na doutrina de Rolf Madaleno, Paulo Lôbo e Francisco José Cahali, considerou inaplicável o art. 1.830 do Código Civil à união estável, afirmando que basta o rompimento de fato do vínculo para, imediatamente, restar privado o convivente de direitos sucessórios. Entender-se de outra forma seria, no entendimento do colegiado externado no referido Recurso Especial, contrário à própria natureza do instituto da união estável, marcado pela informalidade.

Como a sentença que reconheceu e dissolveu a dita união estável foi proferida apenas anos depois do falecimento, o Ministro-Relator, Moura Ribeiro, reforçou a natureza declaratória das ações de reconhecimento e dissolução de união estável “puras e simples”, afirmando que as decisões proferidas no âmbito de tais ações retroagem à data da separação de fato, operando-se efeitos ex tunc. Como, no caso concreto, a sentença que reconheceu e dissolveu a união estável chancelou a data da separação de fato do casal como 16.11.2010, não haveria que se falar em direitos sucessórios à então companheira, independentemente de a decisão de cunho declaratório ter sido prolatada anos após a abertura da sucessão.

É importante mencionar que o entendimento manifestado no REsp nº 1.990.792/RS diverge daquele manifestado pelo Superior Tribunal de Justiça no AgInt nos EDcl no Agravo em REsp nº 1.782.633/SP, julgado em 08.08.2022, que aplicou o art. 1.830 do Código Civil para assegurar direitos sucessórios a convivente que, ainda que separado de fato do falecido, não o era há mais de 2 anos.

Qual a lógica do artigo 1.830 em se tratando de casamento?

Tratando da interpretação do art. 1.830 do Código Civil ao casamento, no REsp nº 1.990.792/RS, o Superior Tribunal de Justiça apresentou a seguinte reflexão, amparada na doutrina, quanto à aplicação do dispositivo ao casamento.

É imprescindível que seja formal a dissolução do casamento, quer mediante provimento jurisdicional, quer mediante escritura pública, nos casos em que a lei autoriza que tal dissolução se dê extrajudicialmente.

Anteriormente à vigência da Emenda Constitucional nº 66/2010, era necessário haver separação judicial prévia, e, apenas após o transcurso do prazo de 1 ano, seria autorizado o divórcio, que, ainda, poderia ser requerido diretamente desde que transcorridos 2 anos a contar da data da separação de fato dos cônjuges.

Após o advento da Emenda Constitucional nº 66/2010, a prévia separação judicial, bem como o transcurso do prazo de 2 anos de separação de fato do casal, deixaram de figurar como pré-requisitos para o divórcio; e, conforme assentado pelo Superior Tribunal de Justiça, quando do julgamento do RE nº 1.167.478 (Tema 1.053), a separação judicial, hoje, não subsiste como figura autônoma no ordenamento jurídico brasileiro.

Nesse contexto prévio à Emenda Constitucional nº 66/2010 seria interpretado o art. 1.830 do Código Civil, que determina a cessação dos direitos sucessórios do cônjuge nos casos em que há separação judicial, e, também, nos casos em que seria possível proceder-se ao divórcio direto, em razão do transcurso de 2 anos a contar da data da separação de fato do casal.

Entretanto, podendo o divórcio ser decretado sem a observância de requisitos prévios (aí incluída a observância do prazo de 2 anos a contar da data da separação de fato do casal), a partir da Emenda Constitucional nº 66/2010, salientou o Superior Tribunal de Justiça no REsp nº 1.990.792/RS, com amparo na doutrina, que não haveria fundamento para se sustentar a observância do prazo de 2 anos a contar da data da separação de fato do casal para cessarem os direitos sucessórios do cônjuge, na forma do art. 1.830 do Código Civil.

Corroborando o entendimento, o Tribunal ainda lembrou que, em meados do mês de abril, a comissão de juristas presidida pelo Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Luis Felipe Salomão, apresentou ao Senado Federal o anteprojeto de lei visando à revisão e modernização do Código Civil (“Projeto de Revisão do Código Civil”) e que, dentre as tantas mudanças propostas, está a retirada de prazo de separação de fato, bastando que tal separação exista afastar direitos sucessórios aos cônjuges e conviventes.

 

*Este conteúdo foi produzido em 10 de setembro de 2024.

Adriane Pacheco ([email protected]), Patricia Villela ([email protected]) e todo time HSA estão à disposição para esclarecer quaisquer questões adicionais relacionadas ao tema. As informações presentes neste conteúdo não devem ser utilizadas para fins de consultoria. Cada caso deve ser analisado de forma individual.