Como Testar Ativos no Exterior
A importância do planejamento sucessório de ativos no exterior.
O avanço contínuo da globalização e tecnologia permitem que, cada vez mais, indivíduos detenham bens e direitos situados fora de seu país de residência. Consequentemente, há uma demanda maior pelo planejamento patrimonial e sucessório internacional, que traga segurança e eficiência para o indivíduo e sua família em múltiplas jurisdições. Tal planejamento deve ser feito sob medida e de forma meticulosa para cada indivíduo e cada família.
O planejamento patrimonial e sucessório internacional envolve diversos temas e instrumentos jurídicos. O objetivo deste artigo é ressaltar a importância do testamento estrangeiro para o planejamento daqueles que residem no Brasil e possuem bens situados no exterior. Abordamos as complexidades da partilha desses bens em outro artigo.
- É possível dispor sobre ativos no exterior em um testamento executado no Brasil?
Em verdade, não há disposição na legislação brasileira que explicitamente proíba ou invalide a disposição sobre bens situados no exterior em testamento brasileiro. Entretanto, como se verá a seguir, sua eficácia é questionável, especialmente quando se considera que um dos objetivos do planejamento sucessório é simplificar e tornar o processo de sucessão o mais célere possível.
De acordo com o artigo 23, inciso II, do Código de Processo Civil brasileiro, nossos tribunais são os únicos com jurisdição para julgar processo de inventário e partilha de bens situados no Brasil, sejam móveis ou imóveis. Por sua vez, em respeito aos princípios da soberania dos Estados e da efetividade das decisões judiciais, os tribunais brasileiros se abstêm de inventariar e partilhar bens móveis e imóveis situados no exterior.
Dessa forma, a eventual inclusão de bens situados no exterior em um testamento brasileiro não dispensará a necessidade de execução deste testamento em procedimentos sucessórios na jurisdição onde os bens estão localizados.
- Testamento brasileiro é válido em outras jurisdições?
Testamentos são, por natureza, atos cercados de formalidades e cada país possui regras próprias no que diz respeito à sua celebração, para que sejam considerados válidos e eficazes (por exemplo,imprescindibilidade de um notário, número de testemunhas, entre outros). Como regra, é preciso observar o chamado locus regit actum, que impõe que o testamento estrangeiro seja considerado válido primeiro em sua jurisdição de origem para, posteriormente, ser submetido à análise de validade nos termos da lei da jurisdição onde os bens estão situados.
Assim, apresentar um testamento brasileiro para ser executado no exterior pode apresentar três problemas principais.
O primeiro é prolongar e encarecer, desnecessariamente, o processo de sucessão no exterior, uma vez que a autoridade local competente deverá analisar e confirmar, não raras vezes a partir de pareceres formais de advogados, que o testamento brasileiro é formalmente válido de acordo com a lei brasileira, que lhe é desconhecida.
Em segundo lugar, é possível que, para confirmar a validade do testamento brasileiro, as autoridades locais exijam documentos ou declarações do juiz responsável pelo processo de inventário no Brasil. Isso pode gerar um vínculo de dependência indesejada entre o processo de sucessão no estrangeiro e o inventário no Brasil.
O terceiro problema é o risco de as disposições do testamento brasileiro, no todo ou em parte, não serem executadas de acordo com o desejo do testador. Isso pode ocorrer especialmente em casos no qual há conflito ou falta de correspondência de institutos jurídicos brasileiros na jurisdição estrangeira.
Um exemplo comum é o instituto do usufruto, inexistente com os mesmos contornos com os quais o conhecemos aqui em países como Estados Unidos, Inglaterra, Bahamas, Ilhas Cayman, entre outros. As cláusulas de incomunicabilidade e impenhorabilidade, disposições protetivas comuns em testamentos brasileiros, não possuem uma correspondência exata em alguns países. Porém, é possível obter efeitos semelhantes desde que a finalidade que se pretende alcançar com a aposição de tais cláusulas seja expressa no testamento de acordo com a lei do país em que devem ser aplicadas.
- Na falta de um testamento estrangeiro, como será o inventário e partilha de ativos no exterior?
Como dito anteriormente, cada país possui regras próprias de Direito Sucessório. Havendo conexão internacional, em casos em que o falecido seja um estrangeiro, seja domiciliado ou tenha deixado bens no exterior, primeiramente, a autoridade competente determinará qual a lei aplicável à sucessão.
A depender do critério adotado a partir das normas de Direito Internacional Privado de cada país (podendo inclusive, ser mais de uma, especialmente em se tratando de bens móveis e imóveis) a lei aplicável à sucessão poderá ser aquela da jurisdição:
- no qual o inventário está sendo processo e os bens estão localizados;
- da nacionalidade do falecido;
- de domicílio do falecido; ou
- a eleição de uma das possibilidades anteriores por meio de um testamento.
A lei aplicável à sucessão determinará, em termos gerais, quem são os herdeiros e quais são suas frações na partilha da herança. Uma vez definida qual a lei aplicável, o segundo passo, será apresentar à autoridade competente a documentação que fundamente a alegação daqueles que se apresentarem como herdeiros e suas frações na partilha da herança.
- Quais as vantagens de fazer um testamento estrangeiro?
As vantagens em celebrar um testamento estrangeiro de acordo com a legislação do local em que este precisará ser executado vão além de evitar os potenciais problemas elencados acima.
A elaboração de um testamento estrangeiro de acordo com a legislação local e com orientação de advogados locais diminui incertezas no processo de inventário sobre qual a lei aplicável, quem são os herdeiros e suas frações na partilha da herança.
O testamento estrangeiro corretamente redigido oferecerá segurança e orientação aos herdeiros em como executar o inventário dos bens deixados pelo falecido no exterior.
Ainda, a confecção de um testamento estrangeiro com orientação de advogados locais em conjunto com advogados brasileiros pode viabilizar a boa e célere execução das disposições testamentárias, de acordo com a vontade do testador e sem conflitos ou inconsistências com a lei estrangeira.
- É necessário contratar um advogado no exterior?
Por fim, vale lembrar que obter auxílio de um time de profissionais especializados e qualificados nas jurisdições pertinentes, tanto para o momento de elaboração do testamento estrangeiro, como por ocasião de sua execução no evento da morte, é de suma importância para garantir uma sucessão coerente e eficiente do ponto de vista legal e financeiro, até para que se apontem, eventualmente, alternativas ao testamento - como os trusts e a joint tenancy, tratados em nossos outros artigos ’O que é um ‘Trust’?’ e ’Joint tenancy with rights of survivorship’ - que possam melhor atender os objetivos de um cliente e sua família.
As informações presentes neste conteúdo não devem ser utilizadas para fins de consultoria. Cada caso deve ser analisado de forma individual. Nossa equipe está à disposição para auxiliá-lo.