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Barriga de aluguel: do que se trata e como a legislação brasileira se porta frente ao tema?

O avanço da medicina e das tecnologias aplicáveis à área viabilizou a expansão do emprego de técnicas de reprodução assistida, voltadas para famílias[1] que enfrentam problemas de fertilidade, seja pela ausência de um dos gametas necessários à formação de um embrião, seja por outras variáveis como, por exemplo, problemas congênitos que impedem a mulher de levar uma gestação completa.

Mais do que um sonho para alguns, hoje a comunidade jurídica defende o emprego e a acessibilidade aos meios de fertilização e fecundação artificiais como forma de concretizar o direito constitucional ao planejamento familiar e à reprodução.

Dentre as opções hoje viáveis, muitos casais buscam mulheres que poderiam e estão dispostas a gestar o embrião concebido a partir do material genético fornecido por um ou por ambos, técnica referida pela doutrina jurídica como “gestação por substituição” ou “gestação por sub-rogação”; e, pela comunidade médica, como “barriga solidária”.

Informalmente referida como “barriga de aluguel”, o emprego popular e disseminado da expressão para se referir meramente à gestação por meio de outrem é, na realidade, inadequado, por denotar caráter comercial.

No Brasil, a contratação de mulheres para gestar embriões a favor de outrem é ilegal, uma vez que o ordenamento jurídico proibe a disposição do próprio corpo a título oneroso (i.e. mediante pagamento). Nesse sentido, é o que se extrai da Constituição Federal (artigo 199, § 4º) e da Lei de Transplantes (artigo 15, caput), que vedam a venda de órgãos, tecidos e partes do corpo, ainda que provisoriamente, como seria o caso de uma gestação.

Não só qualificada como crime, a Lei de Transplantes vai além ao prever que, no que toca à comercialização do útero, incorrem na mesma pena não apenas as cedentes, como também os cessionários (i.e. contratantes) e eventuais intervenientes (i.e. médicos, diretores de clínicas ou qualquer um que “promove, intermedia, facilita ou aufere qualquer vantagem com a transação”), conforme o parágrafo único do mesmo artigo.  

No que toca à gestação solidária, hoje não há lei em sentido estrito que regule a prática. Todavia, o Conselho Federal de Medicina, autarquia que possui competência para supervisionar a ética profissional e fiscalizar o exercício da profissão médica, prevê, por meio da Resolução nº 2.320/2022, que a cessão temporária de útero, a título gratuito, somente poderá ser levada a cabo pelas clínicas especializadas se: (i) existir condição que impeça ou contraindique a gestação pela mulher contratante, se aplicável; (ii) a cedente tiver ao menos um filho vivo; e (iii) a cedente pertencer à família de um dos parceiros, em parentesco consanguíneo até o quarto grau.

Na impossibilidade de atendimento dos requisitos impostos pelo órgão administrativo, deverá ser solicitada autorização dos respectivos Conselhos Regionais, que analisarão caso a caso.

Apesar do controle e rigidez dos Conselhos Regionais de Medicina frente ao cumprimento dos requisitos impostos pelo respectivo Conselho Federal, vale pontuar que suas resoluções não ostentam força de lei, uma vez que autarquias não reúnem titularidade para a edição de leis. E, no Brasil, impera o princípio da legalidade, que resguarda que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (Constituição Federal, artigo 5º, inciso II).

Hoje, não há indícios de que a gestação por substituição mediante pagamento – a famosa “barriga de aluguel” – venha a se tornar legal no país tão cedo, por, como visto, enfrentar barreiras não só de ordem infraconstitucional, como constitucional.

Do ponto de vista social, uma parcela da população defende a legalização do procedimento mediante pagamento por defender a autonomia privada entre pessoas maiores e capazes, argumentando-se, também, que a legalização traria maior segurança jurídica, uma vez que a cessão do útero por mulheres de baixa renda mediante pagamento já seria uma realidade no país, prática, contudo, fraudulenta e à margem do controle estatal.

Recentemente, inclusive, foi veiculado na mídia[2] que a Polícia Federal vem investigando possível rota facilitadora para estrangeiros que buscam, no Brasil, mulheres dispostas a serem “barrigas de aluguel” de forma ilegal, cientes de que há relevante parcela da população brasileira que vive com pouca ou nenhuma renda. O respectivo Inquérito Policial, instaurado no segundo semestre de 2023, corre sob segredo de justiça.

Aqueles que se interessam pela possibilidade da barriga de aluguel podem recorrer a países onde a prática é legalizada – seja para nacionais, seja para estrangeiros –, como é o caso da Rússia, Geórgia, México e alguns estados-membros dos Estados Unidos.

Recomenda-se, sempre, que sejam consultados advogados no Brasil e no exterior para auxiliar as partes na contratação e na condução do procedimento, sem prejuízo da verificação das consequências jurídicas do nascimento em certas jurisdições, como nos Estados Unidos, que traz impactos relevantes ao planejamento patrimonial e sucessório da família.

[1] Por “famílias”, entende-se tanto aquelas formadas por casais hétero ou homoafetivos, casados ou convivendo em união estável, quanto aquelas compostas por mães ou pais solo, ou outras variáveis, observado o reconhecimento pela atual Constituição das diversas formas de família, todas merecedoras da tutela estatal.

[2] Fonte: https://vejasp.abril.com.br/coluna/poder-sp/barriga-de-aluguel-pf-investiga-possivel-rota-de-gestacoes-ilegais-em-sp . Acesso em 22.01.2024, às 11h.

*Este conteúdo foi produzido em 21 de março de 2024

Beatriz Martinez  ([email protected]) e Patrícia Villela ([email protected]) estão à disposição para esclarecer quaisquer questões adicionais relacionadas ao tema. As informações presentes neste conteúdo não devem ser utilizadas para fins de consultoria. Cada caso deve ser analisado de forma individual.